A doença de Scheuermann representa um dos diagnósticos mais frequentes em meu consultório quando se trata de adolescentes com dor nas costas e alteração postural.
Como especialista em coluna vertebral, tenho observado que esta condição ainda é pouco conhecida pela população em geral, apesar de sua prevalência significativa.
Trata-se de uma deformidade que surge durante a fase de crescimento acelerado, caracterizada pelo aumento anormal da curvatura da coluna torácica (cifose), produzindo um arqueamento das costas que pode causar desde desconfortos leves até problemas mais sérios.
Neste artigo, irei explicar em detalhes o que é a doença de Scheuermann, suas manifestações e as abordagens terapêuticas disponíveis.
O que é a doença de Scheuermann?
A doença de Scheuermann, também conhecida como osteocondrose juvenil ou cifose de Scheuermann, é uma condição que afeta o desenvolvimento normal das vértebras durante a fase de crescimento rápido na adolescência.
Esta condição ocorre quando a parte anterior (frontal) da vértebra não cresce na mesma velocidade que a parte posterior, resultando em vértebras em formato de cunha.
Esta alteração estrutural faz com que a coluna desenvolva uma curvatura excessiva na região torácica, levando à postura arqueada ou curvada para frente.
O aspecto mais interessante que observo nos casos que trato é que existem duas formas principais: a típica (ou clássica), que afeta a região torácica média, e a atípica, que acomete a região toracolombar ou lombar.
Causas e fatores de risco
Ao longo dos meus anos de experiência tratando pacientes com esta condição, percebi que os pacientes e seus familiares sempre perguntam sobre as causas.
A verdade é que a etiologia exata da doença de Scheuermann ainda não está completamente esclarecida. Atualmente, acredita-se que seja resultado de uma combinação de fatores genéticos e ambientais.
Em meu consultório especializado em ortopedia de coluna em Goiânia, frequentemente discuto com os pacientes alguns dos mecanismos propostos, como a necrose asséptica nos anéis apofisários vertebrais, que é uma espécie de inflamação dentro das vértebras, fazendo com que parte dela seja destruída e depois remodelada.
Existe também uma forte predisposição hereditária, possivelmente autossômica dominante, o que explica por que vemos casos na mesma família.
Outros fatores de risco são:
- Osteoporose juvenil
- Má-absorção de nutrientes
- Certas doenças endócrinas
- Infecções que afetam o crescimento ósseo
- Estresse biomecânico excessivo durante o crescimento
Epidemiologia e prevalência
Os estudos epidemiológicos mostram que a prevalência da doença de Scheuermann na população geral varia entre 0,4% e 8,3%, com uma proporção ligeiramente maior de casos em meninos do que em meninas, o que é corroborado pela literatura que aponta aproximadamente 2 homens para cada mulher afetada.
Um dado interessante de uma pesquisa recente realizada no Brasil encontrou uma prevalência de 2,8% para a forma atípica da doença, enquanto outro estudo internacional observou uma prevalência geral de 2,2% sem diferença estatisticamente significativa entre homens (2,8%) e mulheres (1,4%).
Estes números são consistentes com o que vejo em minha prática diária.
Sinais e sintomas
Quando explico aos meus pacientes sobre os sintomas da doença, sempre enfatizo que eles podem variar consideravelmente. Os mais comuns são:
- Aumento visível da cifose torácica (aparência de “corcunda”)
- Dor nas costas, geralmente agravada por atividades físicas ou permanência prolongada na mesma posição
- Fadiga muscular, especialmente após exercícios
- Rigidez e sensibilidade na coluna vertebral
- Encurtamento dos músculos peitorais e isquiotibiais
Nos casos mais graves que já tratei, alguns pacientes apresentavam dificuldades respiratórias devido à compressão dos órgãos torácicos, além de complicações neurológicas quando havia compressão medular significativa.
Diagnóstico
O diagnóstico da doença de Scheuermann começa com uma avaliação detalhada da história médica do paciente, seguida por um exame físico completo.
Durante este exame, realizo o Teste de Adams, onde peço ao paciente para se inclinar para frente, permitindo-me observar melhor o contorno da coluna.
Para confirmar o diagnóstico, solicito radiografias da coluna vertebral, onde procuro os critérios clássicos estabelecidos: encunhamento anterior maior que 5° em três ou mais vértebras consecutivas. O ângulo normal da cifose torácica varia entre 40° e 45°; valores maiores caracterizam hipercifose.
Em casos mais complexos ou quando preciso avaliar melhor o impacto nas estruturas adjacentes, solicito também ressonância magnética, que pode revelar a presença de nódulos de Schmorl (hérnias discais que adentram o corpo vertebral) e irregularidades nos platôs vertebrais.
Tratamento conservador
Na maioria dos casos que atendo em meu consultório, inicio com uma abordagem conservadora. O tratamento depende do grau da curvatura, da idade do paciente e da intensidade dos sintomas.
Para pacientes com cifose menor que 60° e sintomas leves, recomendo:
- Modificações no estilo de vida
- Exercícios específicos de alongamento e fortalecimento muscular
- Anti-inflamatórios não esteroides para alívio da dor
- Fisioterapia especializada
Tenho observado excelentes resultados quando trabalho em conjunto com fisioterapeutas, que desenvolvem programas personalizados incluindo exercícios de correção postural, alongamento dos músculos peitorais e isquiotibiais, e fortalecimento da musculatura extensora da coluna.
Para adolescentes com esqueleto imaturo e curvaturas entre 60° e 80°, frequentemente indico o uso de coletes ortopédicos.
Embora o colete não corrija completamente a deformidade já estabelecida, ele pode ser eficaz para evitar a progressão durante o período de crescimento.
Tratamento cirúrgico
A indicação cirúrgica é reservada para casos específicos. Os critérios para considerar a cirurgia incluem:
- Cifose torácica acentuada (acima de 70-80°)
- Compressão medular ou déficits neurológicos
- Comprometimento cardiopulmonar
- Dor persistente que não responde ao tratamento conservador
- Deformidade progressiva apesar do tratamento conservador
As técnicas cirúrgicas variam de acordo com a gravidade e localização da deformidade, podendo incluir abordagem posterior com osteotomias de Smith-Petersen ou, em casos mais complexos, uma abordagem combinada anterior e posterior.
Os resultados são geralmente positivos, com correção significativa da deformidade e alívio dos sintomas.
É fundamental informar os pacientes sobre os riscos e complicações potenciais, sendo a pseudoartrose (falha na fusão óssea) a complicação mais comum no pós-operatório.
Prognóstico e acompanhamento
Na minha experiência clínica de mais de 15 anos, tenho observado que pacientes com cifoses leves a moderadas que recebem tratamento adequado geralmente têm um bom prognóstico.
Os pacientes jovens com curvaturas menores que 60° frequentemente evoluem com pouca ou nenhuma sequela na vida adulta.
Mantenho um acompanhamento regular dos meus pacientes para monitorar a progressão da deformidade e ajustar o tratamento quando necessário.
Para adolescentes, recomendo avaliações a cada 4-6 meses até a maturidade esquelética, e depois anualmente ou conforme necessário.
Conclusão
A doença de Scheuermann representa um desafio importante na ortopedia da coluna vertebral, mas o diagnóstico precoce e o tratamento adequado podem fazer uma grande diferença na qualidade de vida dos pacientes.
Uma abordagem individualizada, combinando diferentes modalidades terapêuticas, pode trazer resultados significativos.
Para os profissionais de saúde, recomendo estar atentos aos sinais precoces da doença de Scheuermann em adolescentes, especialmente aqueles com queixas de dor nas costas e alterações posturais.
Para os pacientes e familiares, enfatizo a importância de não negligenciar esses sintomas e buscar avaliação especializada o quanto antes.
Com os avanços nas técnicas de tratamento conservador e cirúrgico, os prognósticos são bastante favoráveis para pacientes com esta condição.
O futuro certamente trará ainda mais compreensão sobre a doença de Scheuermann e novas abordagens terapêuticas para controle.